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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

AFRICA


FRANCISCO JOSÉ TENREIRO (São Tomé) CORAÇÃO EM ÁFRICA Caminhos trilhados na Europade coração em ÁfricaSaudades longas de palmeiras vermelhas verdes amarelastons fortes da paleta cubistaque o Sl sensual pintou na paisagem;saudade sentida de coração em Áfricaao atravessar estes campos de trigo sem bocasdas ruas sem alegrias com casas cariadaspela metralha míope da Europa e da Américada Europa trilhada por mim Negro de coração em Á'frica.De coração em África na simples leitura dominicaldos periódicos cantando na voz ainda escaldante da tintae com as dedadas de miséria dos ardinas das cities boulevards e baixas da Europatrilhada por mim Negro e por ti ardinacantando dizia eu em sua voz de letras as melancolias do orçamento que não equilibrado Benfica venceu o Sporting ou não.Ou antes ou talvez seja que desta vez vai haver guerrapara que nasçam flores roxas de pazcom fitas de veludo e caixões de pinho:Oh as longas páginas do jornal do mundosão folhas enegrecidas de macabro bluecom mourarias de facas e guernicas de toureiros.Em três linhas (sentidas saudades de África) -Mac Gee cidadão da América e da democraciaMac Gee cidadão negro e da negritudeMac Gee cidadão Negro da América e do Mundo NegroMac Gee fulminado pelo coração endurecido feito cadeira eléctrica(do cadáver queimado de Mac Gee do seu coração em África e sempre vivofloriram flores vermelhas flores vermelhas flores vermelhase também azuis e também verdes e também amarelasna gama policroma da verdade do Negroda inocência de Mac Gee) -três linhas no jornal como um falso cartão de pêsames.Caminhos trilhados na Europade coração em África.De coração em África com o grito seiva bruta dos poemas de Guillende coração em África com a impetuosidade viril de I too am Americade coração em África com as árvores renascidas em todas estações nos belospoemas de Diopde coração em África nos rios antigos que o Negro conheceu e no mistério doChaka-Senghorde coração em África contigo amigo Joaquim quando em versos incendiárioscantaste a África distante do Congo da minha saudade do Congo de coração emÁfrica,de coração em África ao meio dia do dia de coração em Áfricacom o Sol sentado nas delicias do zénitereduzindo a pontos as sombras dos Negrosamodorrando no próprio calor da reverberação os mosquitos da nocturnapicadela.De coração em África em noites de vigília escutando o olho mágico do rádioe a rouquidão sentimento das inarmonias de Armstrong.De coração em África em todas as poesias gregárias ou escolares que zombame zumbem sob as folhas de couve da indiferençamas que tem a beleza das rodas de crianças com papagaios garridose jogos de galinha branca vai até Françaque cantam as volutas dos seios e das coxas das negras e mulatas de olhos rubros como carvões verdes acesos.De coração em África trilho estas ruas nevoentas da cidadede África no coração e um ritmo de be bop nos lábiosenquanto que à minha volta se sussurra olha o preto (que bom) olha um negro (óptimo), olha um mulato (tanto faz) olha um moreno (ridículo)e procuro no horizonte cerrado da beira-marcheiro de maresias distantes e areias distantescom silhuetas de coqueiros conversando baixinho a brisa da tarde.De coração em África na mão deste Negro enrodilhado e sujo de beira-caisvendendo cautelas com a incisão do caminho da cubata perdida na carapinhaalvinitente;de coração em África com as mãos e os pés trambolhos disformese deformados como os quadros de Portinari dos estivadores do mare dos meninos ranhosos viciados pelas olheiras fundas das fomes de Pomarvou cogitando na pretidão do mundo que ultrapassa a própria cor da peledos homens brancos amarelos negros ou as riscase o coração entristece a beira-mar da Europada Europa por mim trilhada de coração em Áfricae chora fino na arritmia de um relójio cuja corda vai estalarsoluça a indignação que fez os homens escravos dos homensmulheres escravas de homens crianças escravas de homens negros escravos dos homense também aqueles de que ninguém fala e eu Negro não esqueçocomo os pueblos e os xavantes os esquimós os ainos eu sei láque são tantos e todos escravos entre si.Chora coração meu estala coração meu enternece-te meu coraçãode uma só vez (oh orgão feminino do homem)de uma só vez para que possa pensar contigo em Áfricana esperança de que para o ano vem a monção torrencialque alagará os campos ressequidos pela amargura da metralha e adubados pela cal dos ossos de Taszlitzkina esperança de que o Sol há-de prenhar as espigas de trigo para os meninos viciadose levará milho às cabanas destelhadas do último rincão da Terradistribuirá o pão o vinho e o azeite pelos aliseos;na esperança de que as entranhas hiantes de um menino antipodahaja sempre uma túlipa de leite ou uma vaca de queijo que lhe mitigue a sede da existência.Deixa-me coração loucodeixa-me acreditar no grito de esperança lançado pela paleta viva de Riverae pelos oceanos de ciclones frescos das odes de Neruda;deixa-me acreditar que do desespero másculo de Picasso sairão pombasque como nuvens voarão os céus do mundo de coração em África. (1967)

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